O Divino em mim.
Por vezes surgem peças que nos provocam. Nos tiram do eixo por breves momentos e nos fazem parar de pensar.
A escultura "Femina, sob suposta influência da lua", de António Canau, surge como uma aparição na frente dos nossos olhos e não mais nos solta.
Que ser é este, sem atitude ou pensar, sem ego ou vaidade, que nos deixa a flutuar?
Que ser é este, de pele fria e rija, que nos segue com o seu olhar e se move como uma bailarina, ao ritmo da luz no seu corpo?
Porque é que ele não me abandona?
Procuro em volta e não o vejo, mas fecho os olhos e ele está lá.
Olho para ele e hesito. Será um invólucro que me engole sem mastigar, ou um núcleo que me alimenta o sistema nervoso, deixando-me esplendidamente só?
Tem o meu tamanho e isso perturba-me. Será que se faz passar por um de nós? Será que é feito do mesmo que eu?
Não estou desconfiado, mas não consigo tirar os olhos dele.
Parece perfeito demais para ter sido criado por alguém.
Fala comigo, sem que eu o oiça.
Hipnotiza-me, sem ter olhos.
Está parado, mas não inerte.
Por vezes surgem peças que nos provocam. Nos fazem sentir que não estamos sós.
Por vezes surgem peças que tocam o divino em mim.
Carlos Proença
Outubro de 2011
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