
Helder Batista |
O
sentido e os limites da medalha contemporânea
Passados vinte cinco anos sobre o
Congresso da FIDEM em Lisboa no ano de 1979, continuo a questionar-me
sobre o futuro da medalha contemporânea e que tipo de mensagem transmite.
A capacidade que possuía em aceitar que uma medalha se afirmava
através de uma certa linguagem vai-se esboroando. Considerava-se,
até então, que a medalha era um espaço de comunicação
codificado, constituído por duas faces, nas quais a luz actuava
denunciando o seu conteúdo. A luz deslizava pelas formas, envolvendo-as,
criando mesclas ciciadas, como se de veludo se tratasse.
Considerava-se que a medalha deveria
ser um espaço, onde habitavam formas "nunca antes" divulgadas,
que conviviam e enviavam sinais de abstração, que se deixavam
ou não envolver pelos suportes de variadas geometrias. Era através
de novas atmosferas propiciadas pelo pensamento plástico, que se
obtinham outras faces cada vez mais atraentes.
A medalha era encarada como um objecto
múltiplo, de dupla bidimensionalidade, que usava os materiais de
acordo com os seus objectivos, e se servia de variadas tecnologias. Estas
eram imprescindíveis para a sua materialização e
multiplicação, de modo a que pudessem levar ali ou mais
além a sua mensagem, nunca pondo em causa a sua identidade e consequentemente
a sua tipologia.
Entendia-se que a medalha deveria
estar relacionada com a mão, a qual lhe conferia o carácter
de objecto íntimo, de leitura tacteada que permitia dinstinguir
as partes polidas, em contraste com as partes texturadas. A medalha não
deveria ser confundida na sua espacialidade com a mais radical escultura/instalação.
A medalha deixará de o ser, se atingir escalas monumentais; na
ausência do anvero e reverso, correrá o risco de se tomar
plaquete, medalhão ou ornamento arquitectónico.
Para alguns teólogos da medalha
contemporânea, ter em conta alguns dos limites atrás anunciados,
é cortar a liberdade. É o mesmo que aconselhar ou motivar
para a ausência de qualquer gramática, permitindo a invenção
de novos objectos, mesmo que para tal se subverta a lógica do discurso
e se contrarie a objectividade da medalhística. Se é certo
que a presença exaustiva de gramáticas poderá por
vezes embotar a criatidade, não é , menos certo que a ausência
de qualquer uma, dificultará o encontro de novos rostos, de novas
faces.
A verdadeira liberdade na inovação é quando se adquire
o conhecimento de todos os ingredientes a manipular, e se consegue fazer
a sua interligação. Aceitar a entrada de materiais que,
muitas vezes, não se podem em absoluto controlar, prever, antecipar,
altera completamente uma linguagem. Qualquer linguagem possui um estrutura
própria. Nunca, que eu tenha conhecimento, os limites foram castradores
para os verdadeiros artistas. Aqueles que por paixão pretendem
expressar-se através da medalhística, devem municiar-se
dos meios técnicos e plásticos, antes de iniciarem nesta
aventura da medalha até porque ela já tem uma longa história.
O drama é sobretudo para os
mais jovens, que não possuem margens de orientação
no percurso que pretendem iniciar. Um jovem aberto à inovação
e que pretende criar, muitas vezes perde-se enredado naquilo para que
julga ter aptidão, porque lhe ocultaram deliberadamente, os limites,
acenando-lhe com a facilidade que confunde com liberdade.
A vontade de mudar, ignorando as
realidades já experimentadas levar-nos á ao deserto em busca
de alternativas.
O futuro
da medalha será assustador se continuarmos a demitir-nos de questionar
esta ou outras dúvidas.
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Sem pretender apontar caminhos do que deve ser uma medalha, aproveito
para mostrar três escultores esquecidos que em minha opinião,
ilustram o que defendo, que nunca os limites foram castradores para os
verdadeiros artistas. São três excepções na
medalhística portuguesa, não só pela sua postura
perante a escultura, como pelo modo como ultrapassaram as regras aprendidas.
Martins Correia,
que se fosse vivo teria hoje noventa anos, foi dos escultores mais rebeldes
da sua geração e a confirmá-lo, existem as suas inesperadas
estátuas assim como os seus panéis de pintura desenhada,
onde experimentava os materiais menos ortodoxos para riscar.
Na medalhística, procurou contrariar as modas, envolvendo-se em
experiências plásticas que resultaram sempre em novas propostas
que contrariavam as medalhas anteriores.
A medalha que vos mostro, é um dos seus muitos auto-retratos onde
repete o mesmo cunho, em que a imagem e as legendas se ajustam de forma
inovadora. MC nas suas concepções de medalhística
tomava sempre as legendas como parte integrante do seu pensamento plástico.
As texturas criadas no cabelo, barba e legendas, foram obtidas pelo desenho
imediato riscado com grande paixão e arrojo, sem contudo perder
o controle do mesmo.
Femando Conduto,
felizmente vivo, escultor alheio ás modas mas sem nunca deixar
de olhar para o lado, porfiou numa escultura despojada e integrada na
arquitectura. Escultura de planos largos que se fricionam uns nos outros
criando forças antagónicas, os resultados são inesperados.
Inesperado é também o transporte que faz da escultura de
grande porte, para as suas peqenas medalhas que de um modo geral não
ultrapassam os sessenta milímetros. As suas patines são
quase sempre escuras, tonalidade que lembra os barros de Molelos.
Nesta medalha e em qualquer outra da sua autoria, as legendas são
parte integrante da composição, evitando sempre que estas
fiquem ligadas ao rebordo. Femando Conduto mistura as formas representativas
com as legendas, criando situações imprevistas através
de texturas que se articulam com planos lisos. As legendas, que se inscrevem
nos limites dos planos acentuam estes, definindo assim a sua habitabilidade.
Alípio Pinto,
mais novo e já com uma longa carreira pedagógica universitária
no ensino da escultura, domina os materiais com grande sabedoria, particulannente
os metais. Este conhecimento reflete-se nas suas medalhas, criando um
novo espaço, plástico através da policromia, destas.
Rompe com as patines monocromáticas e consegue encontrar um novo
caminho, usando técnicas tradicionais que mistura com sucesso,
com outras novas técnicas, que: a experiência metalúrgica
lhe deu.
Na análise desta medalha podemos observar que, primeiro, tomou
como patine a, acção da areia durante a fase de desengorduramento
das superfícies e depois a acção directa dos abrasivos
sobre algumas formas, criando assim notas subtis numa mesma peça,
sem que tenha recorrido aos ácidos. A côr que juntou foi
aplicada sómente nos sulcos abertos nas superfícies concavas.
Helder Batista, FIDEM 2004 Seixal
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